terça-feira, 9 de agosto de 2016

CENAS DO OFICENA 4: Um olhar sobre cada trabalho apresentado.

A experiência vivida no OFICENA, neste sábado e domingo, agora, nos conectou com algo de essencial, um compartilhamento de sonhos e esperanças mas, também, uma descoberta de um fazer totalmente necessário àqueles que buscam, no teatro, uma resposta para a própria vida.

Caio Danarim e Pedro Pimentel na cena "Bar da Vida" de Larissa Gomes.
Adolescentes e adultos, de mãos dadas para criar um universo  de arte. Mergulhar na essência e descobrir o que se tem de melhor, não apenas a vontade de subir num palco para brilhar, mas, antes, levar o brilho do coração e da alma para o público. Este que sempre vem e que, misteriosamente vai mostrando a melhor forma de como gosta de ver a expressão criativa e mais profunda do estudante de teatro. Como dizem por aí, "o OFICENA bombou mais uma vez", dessa vez, peças de teatro escritas, ensaiadas e produzidas pelos próprios alunos.
No começo era um sonho que parecia impossível, cortar todo tipo de dependência, para mergulhar na responsabilidade do fazer em si. Não foi fácil pra ninguém; cada um teve que trilhar seu caminho, descobrir sua linguagem e fazer dela uma forma de se conectar com o público. São muitas coisas que precisam ser feitas, descobertas e objetivos que devem ser atingidos para que se possa, de forma essencial, emplacar um novo trabalho e inventar uma ação-reação-criação, com cause algum tipo de impacto, de impressão.

ABERTURA
*Bem Vindo ao Oficena
Matheus D'Castro, Guilherme Carvalho, Yuri Quintanilha, Jean Monteiro, Danilo Tavares, Caio Danarim, Thayanne Teixeira e Sarah Silvestre.

Construída a partir de uma percepção de musical televisivo, a cena foi feita com despojamento e focada numa coreografia inspirada nos musicais da disney, trazendo uma expressão popular. Teve uma boa aceitação do público. A luz, no segundo dia, fechou dentro do "taime" e foi satisfatória, a afinação do elenco é sempre um desafio e pode melhorar. Fica a sugestão para que os ensaios sejam melhor planejado, e a pesquisa ampliada, só assim se consegue um resultado dentro ou acima da média.

*Quem Pegou o Pote de Ouro
Texto e Direção: Sarah Silvestre
Elenco: Henrique Bragança, Igor Quintanilha, Jully Braga, Kaylane, Larissa Nunes, Mayumi Cardoso e Sancler.
Classificação Livre

O grupo demonstrou garra e se dedicou bem ao desenvolvimento da cena, podia ter explorado melhor o "equilíbrio da caixa" e investido na potência vocal do elenco, que, por algumas vezes, falava baixo. Mas teve grandes momentos, como, por exemplo, o momento em que o assistente do Capitão Gancho leva um choque na parede invisível.

*Encontros e Despedidas
Texto e Direção: Lucas Cedro
Elenco: Bianca França, Douglas Filipe, Douglas Morais, Matheus Luan, Nayara Luiza e Tamiris
Classificação Livre

Uma boa distribuição de cena, com ótimo equilíbrio de caixa, a dramaturgia mergulha na alma da personagem que, depois de morta, revive em sua memória alguns momentos de suas vidas passadas. A metáfora da vida que se repete na estação, a partir de uma música de Milton Nascimento, ofereceu ao elenco a possibilidade de investigar e descobrir a musicalidade brasileira. O trabalho de afinação pode melhorar, mas o grupo demonstrou garra e pareceu bem ensaiado e entrosado.

*Entrevista a um Detento
Texto e Direção: Ludmila Lopes
Elenco: Guido Spilare, Victor Oliveira e Yasmim Ferreira
Classificação 12 anos

Um texto com forte expressão dramática e engajamento politico, fala da condição da criança e do adolescente, molestada pela terrível cultura do estupro. A força dramática proposta na linguagem e a intepretação da atriz Yasmin Ferreira, deu força ao trabalho.
A triangulação cênicaa pode melhorar, para que o ritmo do trabalho não se perca em pausas muito longas. O grupo demonstrou garra e dedicação, com um pouco mais de ensaio e estudo aprofundado das personagens pode deixar o trabalho ainda melhor.

Carlos de Oliveira - Cada vez mais focado,
descobrindo nuances em sua personagem.
*Pássaro de Ouro
Texto, Direção e Elenco: João Pedro Papini
Classificação Livre

João Pappini, como sempre, demonstrou garra, dedicação e trabalho. Sua cena faz uma reflexão sobre o julgamento que a sociedade faz aos cidadãos que não são respeitados em suas opções sexuais. Sua força e expressão dramática fez o público parar para pensar. 

Título Provisório - Prefiro Drama
Texto: Jorge Rodrigues
Direção: Celso Guimarães Junior
Elenco: Criso, Daniela Cunha, Rodrigo e Talita Peres
Classificação Livre

O texto do Jorge Rodrigues, tem uma uma intrincada trama juvenil mas que demonstra a inocência e o amor como personagens central, personificadas nas figuras de personagens de escola que se apaixonam pela mesma garota. Embora seja uma trama simples, o diretor, Celso Guimarães, deu ao trabalho uma cara de sonho e conseguiu conquistar o coração da platéia com sua inesquecível cena do isopor caindo do teto do teatro, sobre a platéia. O uso inteligente do material de cena, deu um gosto especial de saudade e, sem dúvida, plantou uma forte semente de lembrança na platéia. 

O Bar da Vida
Texto e Direção: Larissa Gomes
Elenco: Caio Danarim, Daniela Cunha, Gabriela Conde, Gabriella Tejada, Matheus D'Castro, Pablo, mello, Pablo Rodrigues,Thayanne Teixeira e Pedro Pimentel.
Classificação 10 anos

Uma dramaturgia bem pensada pela autora, Larissa Gomes, escritora recém chegada na juventude, seu texto encheu o coração do elenco, que se apaixonou pela história e desempenhou com dedicação. Entretanto, um pouco mais de ensaio e uma marcação de cena mais equilibrada na caixa, poderia ter dado o tom mais preciso ao trabalho. Fica também a sugestão para que o elenco invista na vocalização e dicção, para que as falas sejam bem percebidas pela plateia.

Vidas em Petalas
Texto: Gabriela Caetano
Direção, Trilha sonora e Sonoplastia: Cleiton Fernandes
Elenco: Ferlaine Rangel e Yasmin Quintanilha
Classificação 10 anos

O texto de Gabriela Caetano é pleno de imagens e o diretor, Cleiton Fernandes, soube aproveitar a energia das atrizes que estiveram muito bem e fortemente ensaiadas, construindo uma coreografia complexa, com movimentações difíceis, porém, equilibradas. Embora a cena seja bem ensaiada, é preciso buscar mais ritmos para. Falta pouco para chegar ao tom definitivo da cena, que pode ser conseguida com muito trabalho.

O Fantasma da Morte
Texto: Rubenig Rodrigues
Direção: Jean Monteiro
Elenco: Átila Jorge, Dandara Melo, Jorge Rodrigues e Lucas Soeiro
Classificação 14 anos

Como num filme de terror japonês, a cena acontece no melhor estilo brasileiro, uma mistura de cinema trash com um resultado artístico satisfatório. Destaque para a atriz-estudante, Dandara Melo, que construiu uma maquiagem horripilante, para sua personagem, além de ótima expressão corporal. Sugiro que o grupo invista mais na iluminação, ampliando os contrastes de claro-escuro, para obter mais visualidade ao trabalho, mostrando melhor a expressão dos atores.
Na cena "O Cavaleiro, a Fada e Deonzela", o elenco histriônico e divertido
destacou a estudante Pérola Hatake
Adeus Mundo
Texto: Christian Revelles Gatti
Direção; Kéren-Hapuk
Elenco: Carlos Antônio, Kalil Zarif e Mayra Rodrigues
Classificação 12 anos

O trabalho é um poema profundo e questionador, de Christian Gatti, que teve como diretora a misteriosa Kéren-Hapuk. O trabalho ganhou desenhos muito bonitos e teve uma boa marcação e movimentação dos atores. Sugestão que o elenco invista mais no trabalho de coro e faça ensaios mais contínuos, pois, as dificuldades para transpor o sentido mais profundo e chegar na proposta, exige muita dedicação.

Regra de três
Texto: Kalil Zarif
Direção: Beatriz Ebecken
Elenco: Sarah Fortes, Mário Sales, Rubenig e Patrick Magalhães
Classificação 14 anos

Kalil Zarif presenteou o elenco com um ótimo texto, história muito bem articulada e com um desfecho trágico, porém, digno dos melhores filmes de bang-bang à brasileira. O elenco estava bem dentro da proposta, com destaque especial para o jovem Rubenig Rodrigues, que conquistou a plateia na noite de sábado. A direção de Beatriz Ebecken, demonstrou um talento especial para o realismo, forma teatral bem complexa mas que, com dedicação, ensaio e estudo, tornou-se possível neste trabalho. A sugestão é usar melhor o centro da cena, para equilibrar bem a caixa.

O Cavaleiro Fada e a Donzela
Texto:Jean Monteiro
Direção: Danilo Tavares
Elenco: João Monk, Pedro Carvalho e Pérola Hatake
Classificação: 12 anos

Um texto criado com uma comicidade inspirada no teatro do absurdo, demonstrou habilidade de um espadachim principiante, mas era um espadachim. O ritmo entre o trabalho criado por Jean Monteiro e a direção de Danilo Tavares, gerou quase uma dança, com entrosamento que envolveu o elenco. O elenco descobriu uma fórmula de comicidade que funcionou. Destaque para Pérola Hatake, que desabrochou e construiu uma personagem satisfatória. O grupo pode investir numa produção mais cuidada, talvez figurino elaborado, para dar mais força aos personagens.

Yuri e Guilherme, uma dupla criativa e com muitas possibilidades.
APRESENTADORES À PARTE

Yuri Quintanilha e Guilherme Carvalho deram um show, foram muitos os acertos da dupla que se configuram como dois aprendizes no melhor estilo de comédia ligeira e palhaçaria sem nariz. Ambos camaleônicos, se multiplicam e diversos tipos de personagens, mas sem perder a essência do jogo entre o clown "augusto" e o "branco". O aprofundamento dessa relação pode fortalecer a dupla, que já se apresentaram juntos em outras ocasiões. A profusão de personagens e a criatividade em tipos populares de Cabo Frio, criam uma identidade e empatia com a platéia.


sexta-feira, 1 de julho de 2016

A Dramaturgia Resiste!

 Com uma produção de mais de 100 textos em 3 anos, o NUDRA - Núcleo Livre de Dramaturgia de Cabo Frio, busca o apoio incondicional dos jovens, para se afirmar como uma possível vertente de produção e criação de novos textos teatrais. Tarefa difícil, que envolve um intenso e lento despertar, mas que não é impossível.

Estudantes de teatro do OFICENA lendo textos de novos dramaturgos no
Segundo Ciclo de Leitura Dramatizada, realizado em 2015, no Teatro
Municipal de Cabo Frio.
Lembro uma vez, no final da década de 80, o ator Emílio Pitta, um dos monstros sagrados do teatro do Paraná, numa conversa sobre arte, falava com gosto sobre a arte da dramaturgia. Revelava sua paixão por Gianfrancesco Guarneieri e Plínio Marcos e, já na época, reclamava que não havia mais dramaturgos no Brasil e por isso, os artistas famosos acabavam sempre montando textos estrangeiros. Já naquela época, devido à burocracia, diversos grupos de teatro começaram a escrever e montar seus próprios textos. De um lado, tínhamos os dramaturgos jovens que, praticamente não eram levados a sério, já que a dramaturgia havia caído em total descrédito no Brasil.
Na década de 90, o Brasil começou a divulgar timidamente, os textos do Mauro Rasi, que escrevia comédias e dramas familiares e depois passara a escrever para televisão. Em meados dos anos 2.000, surgiu um forte movimento de dramaturgia com a entrada em cena de Jô Bilac, a partir daí, voltou-se a falar mais abertamente de dramaturgia. O Brasil pareceu sair de um vácuo de mais de 20 anos. Não que não houvesse novos escritores pra teatro, mas a falta de apoio e discussão sobre essa forma artística de produzir, levava sempre nossos melhores atores a mergulhar na produção de textos estrangeiros já ha muito tempo ultrapassados. A falta de opção por um lado e o obscurantismo da produção por outro, fazia com que todos achassem que no Brasil, os dramaturgos fossem uma "espécie em extinção".
Em Cabo Frio, com surgimento do OFICENA - Curso Livre de Teatro do Teatro Municipal de Cabo Frio, resolvemos criar o NUDRA - Núcleo Livre de Dramaturgia de Cabo Frio, com o intuito de estimular a produção de mais textos teatrais. A partir de uma carpintaria simples e que marcasse a ação cênica como elemento principal do texto, jovens começaram a perder o medo e escrever mais. Imaginar suas ações e criar contextos para a cena, de onde pudemos ver surgir já, alguns nomes que se destacaram nessas forma de escrever. Alguns textos, foram levados à cena e fizeram grande sucesso dentro do curso OFICENA mas também fora, como as peças "OsVampiros Estão com Fome" de Kéren-Hapuk e "Urânio Tóxico", de Larissa Gomes. Foi a partir da NUDRA que algumas pessoas passaram a produzir textos regularmente para serem montados, como "Ditadura" de Nathally Amariá, que acabou virando peça de repertório do TCC - Teatro Cabofriense de Comédia.

Uma lista de 21 textos serão lidos no Terceiro Ciclo de Leitura Dramatizada, é possível que, um dia, tenhamos pessoas
produzindo muito mais para alimentar a cadeia produtiva do Teatro de Cabo Frio e, quem sabe até, nacional e internacional.
Durante o ano de 2013, os alunos frequentadores do NUDRA passaram a fazer leituras de seus próprios textos para os estudantes atores do OFICENA, o que resultou no primeiro festival interna CENAS DO OFICENA, foram 17 trabalhos, quase todos escritos pelos alunos participantes do NUDRA. Em agosto de 2014, a produção do NUDRA ganhou um evento aberto no teatro. Fez o primeiro ciclo de leitura dramatizada, com total sucesso e em maio de 2015, ouve um novo encontro, dessa vez, com platéia lotada e curiosa para conhecer os novos dramaturgos e suas férteis imaginações artísticas. 
A partir de 2016, o NUDRA tornou-se um núcleo livre e desvinculado do OFICENA, passando a receber estudantes também de fora, mas a ideia não tinha dado certo, vimos que os participantes que vinham de fora, o fazia muito mais por causa de sua produção de contos e poemas, muitos, por não conhecer o teatro, resistiam em produzir especificamente para teatro. O núcleo de dramaturgia entrou em declínio e a proposta de escrever textos teatrais, abriu-se para quem quisesse escrever, de forma totalmente livre. Percebemos que a produção, embora viva e pulsante, não seguia qualquer regra minima, os jovens escreviam seus textos apenas com a intenção de vê-los no palco, de preferência por amigos, gente com quem tivesse afinidade, jogando um balde de água fria na ideia de construir um caminho real para a dramaturgia em Cabo Frio.

Uma Luz no Fim do Túnel.

A falta de produção de textos começou a deixar os novos escritores da cidade, sem contato com os atores, para discutir sua produção. Eventos de leitura dramatizada aconteceram de forma aleatória, apenas para mostrar o texto de autores consagrados. O sonho de criar um time de dramaturgos locais pareceu estar morto. Foi numa reunião às pressas com a equipe do OFICENA, decidimos reabrir o NUDRA. Com total apoio de todos iniciamos um plano emergencial para reagrupar os alunos que tinham latente, dentro de si, o desejo de escrever pra teatro.
A Leitura de autores consagrados como Federico García Lorca e seu tão
famoso texto "Bodas de Sangue" são valorizados nos eventos de dramaturgia,
nesta foto, o trabalho de direção de Italo Luiz Moreira, deu grande força e
prendeu o público até o último minuto.
Uma oficina livre de dramaturgia, realizada nos dias 11 e 12 de junho, ajudaram a criar a energia que impulsionou, novamente, a produção de textos. Os que não puderam comparecer, enviaram foram lidos por aqueles que estiveram presentes, assim, o primeiro encontro livre de 2016, do NUDRA, contou com a leitura e discussão de quase 11 textos teatrais. Com o replanejamento da agenda do OFICENA conseguimos colocar o quarto encontro "Cenas do Oficena", vinculado ao terceiro encontro de "Leitura Dramatizada", que irá acontecer no dia 02 de julho.
Para o momento, podemos dizer que conseguimos resguardar o espaço para novos dramaturgos, mas ainda é algo incipiente. O hábito de montar peças de forma intuitiva, sem escrever textos ou trabalhar apenas com um rascunho na mão, faz parte de uma "destradição", que se contrapõe ao mergulho formal na arte de escrever para teatro, talvez, por falta de abordagem proativa da própria mídia e por não termos um sistema de educação que realmente valorize o teatro. Os jovens tem idéias mas quase sempre pensam e realiza-la de forma cinematográfica ou televisiva, que são formas de dramaturgia mais popularizadas hoje. Em Cabo Frio, no entanto, parece surgir uma luz no fim do túnel, há uma geração mais velha do teatro local, que sempre valorizou a dramaturgia. Silvana Lima, José Facury, Marcelo Tosta, Cesar Valentin, Anderson Macleyves e Italo Luiz Moreira estão no olho desse furacão, acompanhados de Rodrigo Sena e Manuela de Lelis, esses últimos, da mesma geração do Eduardo Magalhães, o Eduardinho, como era conhecido de todos e que fora um forte despertar não só como diretor mas, também, como criador de textos para ser encenados.

por Jiddu Saldanha - Blogueiro