sexta-feira, 1 de julho de 2016

A Dramaturgia Resiste!

 Com uma produção de mais de 100 textos em 3 anos, o NUDRA - Núcleo Livre de Dramaturgia de Cabo Frio, busca o apoio incondicional dos jovens, para se afirmar como uma possível vertente de produção e criação de novos textos teatrais. Tarefa difícil, que envolve um intenso e lento despertar, mas que não é impossível.

Estudantes de teatro do OFICENA lendo textos de novos dramaturgos no
Segundo Ciclo de Leitura Dramatizada, realizado em 2015, no Teatro
Municipal de Cabo Frio.
Lembro uma vez, no final da década de 80, o ator Emílio Pitta, um dos monstros sagrados do teatro do Paraná, numa conversa sobre arte, falava com gosto sobre a arte da dramaturgia. Revelava sua paixão por Gianfrancesco Guarneieri e Plínio Marcos e, já na época, reclamava que não havia mais dramaturgos no Brasil e por isso, os artistas famosos acabavam sempre montando textos estrangeiros. Já naquela época, devido à burocracia, diversos grupos de teatro começaram a escrever e montar seus próprios textos. De um lado, tínhamos os dramaturgos jovens que, praticamente não eram levados a sério, já que a dramaturgia havia caído em total descrédito no Brasil.
Na década de 90, o Brasil começou a divulgar timidamente, os textos do Mauro Rasi, que escrevia comédias e dramas familiares e depois passara a escrever para televisão. Em meados dos anos 2.000, surgiu um forte movimento de dramaturgia com a entrada em cena de Jô Bilac, a partir daí, voltou-se a falar mais abertamente de dramaturgia. O Brasil pareceu sair de um vácuo de mais de 20 anos. Não que não houvesse novos escritores pra teatro, mas a falta de apoio e discussão sobre essa forma artística de produzir, levava sempre nossos melhores atores a mergulhar na produção de textos estrangeiros já ha muito tempo ultrapassados. A falta de opção por um lado e o obscurantismo da produção por outro, fazia com que todos achassem que no Brasil, os dramaturgos fossem uma "espécie em extinção".
Em Cabo Frio, com surgimento do OFICENA - Curso Livre de Teatro do Teatro Municipal de Cabo Frio, resolvemos criar o NUDRA - Núcleo Livre de Dramaturgia de Cabo Frio, com o intuito de estimular a produção de mais textos teatrais. A partir de uma carpintaria simples e que marcasse a ação cênica como elemento principal do texto, jovens começaram a perder o medo e escrever mais. Imaginar suas ações e criar contextos para a cena, de onde pudemos ver surgir já, alguns nomes que se destacaram nessas forma de escrever. Alguns textos, foram levados à cena e fizeram grande sucesso dentro do curso OFICENA mas também fora, como as peças "OsVampiros Estão com Fome" de Kéren-Hapuk e "Urânio Tóxico", de Larissa Gomes. Foi a partir da NUDRA que algumas pessoas passaram a produzir textos regularmente para serem montados, como "Ditadura" de Nathally Amariá, que acabou virando peça de repertório do TCC - Teatro Cabofriense de Comédia.

Uma lista de 21 textos serão lidos no Terceiro Ciclo de Leitura Dramatizada, é possível que, um dia, tenhamos pessoas
produzindo muito mais para alimentar a cadeia produtiva do Teatro de Cabo Frio e, quem sabe até, nacional e internacional.
Durante o ano de 2013, os alunos frequentadores do NUDRA passaram a fazer leituras de seus próprios textos para os estudantes atores do OFICENA, o que resultou no primeiro festival interna CENAS DO OFICENA, foram 17 trabalhos, quase todos escritos pelos alunos participantes do NUDRA. Em agosto de 2014, a produção do NUDRA ganhou um evento aberto no teatro. Fez o primeiro ciclo de leitura dramatizada, com total sucesso e em maio de 2015, ouve um novo encontro, dessa vez, com platéia lotada e curiosa para conhecer os novos dramaturgos e suas férteis imaginações artísticas. 
A partir de 2016, o NUDRA tornou-se um núcleo livre e desvinculado do OFICENA, passando a receber estudantes também de fora, mas a ideia não tinha dado certo, vimos que os participantes que vinham de fora, o fazia muito mais por causa de sua produção de contos e poemas, muitos, por não conhecer o teatro, resistiam em produzir especificamente para teatro. O núcleo de dramaturgia entrou em declínio e a proposta de escrever textos teatrais, abriu-se para quem quisesse escrever, de forma totalmente livre. Percebemos que a produção, embora viva e pulsante, não seguia qualquer regra minima, os jovens escreviam seus textos apenas com a intenção de vê-los no palco, de preferência por amigos, gente com quem tivesse afinidade, jogando um balde de água fria na ideia de construir um caminho real para a dramaturgia em Cabo Frio.

Uma Luz no Fim do Túnel.

A falta de produção de textos começou a deixar os novos escritores da cidade, sem contato com os atores, para discutir sua produção. Eventos de leitura dramatizada aconteceram de forma aleatória, apenas para mostrar o texto de autores consagrados. O sonho de criar um time de dramaturgos locais pareceu estar morto. Foi numa reunião às pressas com a equipe do OFICENA, decidimos reabrir o NUDRA. Com total apoio de todos iniciamos um plano emergencial para reagrupar os alunos que tinham latente, dentro de si, o desejo de escrever pra teatro.
A Leitura de autores consagrados como Federico García Lorca e seu tão
famoso texto "Bodas de Sangue" são valorizados nos eventos de dramaturgia,
nesta foto, o trabalho de direção de Italo Luiz Moreira, deu grande força e
prendeu o público até o último minuto.
Uma oficina livre de dramaturgia, realizada nos dias 11 e 12 de junho, ajudaram a criar a energia que impulsionou, novamente, a produção de textos. Os que não puderam comparecer, enviaram foram lidos por aqueles que estiveram presentes, assim, o primeiro encontro livre de 2016, do NUDRA, contou com a leitura e discussão de quase 11 textos teatrais. Com o replanejamento da agenda do OFICENA conseguimos colocar o quarto encontro "Cenas do Oficena", vinculado ao terceiro encontro de "Leitura Dramatizada", que irá acontecer no dia 02 de julho.
Para o momento, podemos dizer que conseguimos resguardar o espaço para novos dramaturgos, mas ainda é algo incipiente. O hábito de montar peças de forma intuitiva, sem escrever textos ou trabalhar apenas com um rascunho na mão, faz parte de uma "destradição", que se contrapõe ao mergulho formal na arte de escrever para teatro, talvez, por falta de abordagem proativa da própria mídia e por não termos um sistema de educação que realmente valorize o teatro. Os jovens tem idéias mas quase sempre pensam e realiza-la de forma cinematográfica ou televisiva, que são formas de dramaturgia mais popularizadas hoje. Em Cabo Frio, no entanto, parece surgir uma luz no fim do túnel, há uma geração mais velha do teatro local, que sempre valorizou a dramaturgia. Silvana Lima, José Facury, Marcelo Tosta, Cesar Valentin, Anderson Macleyves e Italo Luiz Moreira estão no olho desse furacão, acompanhados de Rodrigo Sena e Manuela de Lelis, esses últimos, da mesma geração do Eduardo Magalhães, o Eduardinho, como era conhecido de todos e que fora um forte despertar não só como diretor mas, também, como criador de textos para ser encenados.

por Jiddu Saldanha - Blogueiro